O software como objeto do Direito Informático – SEDEP

Marcos Wachowicz*

INTRODUÇÃO

Para uma percepção jurídica sistêmica do programa de computador como objeto do Direito Informático envolto na Revolução Tecnológica, é imprescindível que seu enquandramento enquanto bem juridicamente tutelável interaja e perceba também de forma precisa o hardware e o firmware.

O programa de computador foi pela primeira vez analisado juridicamente de forma sistêmica por Renato BORRUSO, o qual delineou o sistema informático como um conjunto de elementos software, hardware e firmware. Liliana Minardi PAESANI [1] no mesmo sentido, com um critério sistêmico de exame afirmou:

“O Sistema informático em sua configuração complexa constituída por computadores e periféricos, software de base e aplicativos, suportes magnéticos e componentes de memórias auxiliares, será qualificado como “universalidade de coisas móveis”.

“O Sistema informático, analisado em sua configuração mínima, é uma coisa composta que apresenta algumas particularidades. É difícil individualizar uma coisa principal e outras acessórias, pois todas são partes complementares entre si e cada uma é integrante de todas.”

Na linguagem jurídica, bens são valores materiais ou imateriais que servem de objeto a uma relação jurídica. Como aponta Silvio RODRIGUES bens jurídicos são coisas que por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico.

O direito estabeleceu várias categorias de bens. Uma classificação clara do programa de computador como bem jurídico, torna-se importante, porque as conseqüências jurídicas das relações que o envolvem, serão determinadas conforme a classe a que pertencer o bem objeto de direito.

A CLASSIFICAÇÃO DO SOFTWARE ENQUANTO BEM JURIDICAMENTE TUTELÁVEL

Inicialmente, observar-se-á o programa de computador considerando-o em si mesmo, isto é, examinando-o objetivamente enquanto propriedade incorpórea juridicamente tutelável, abrangendo a classificação em : corpóreos e incorpóreos; móveis e imóveis; fungíveis e infungíveis; consumíveis e inconsumíveis; divisíveis e indivisíveis; singulares e coletivos.

E finalmente, através de outro critério, para examinar o software em relação aos outros bens, assim distinguindo-o enquanto bem principal dos acessórios.

Por questão metodológica, adotar-se-á para o hardware e para o firmware o mesmo critério de classificação adotado para o software, isto é, considerar-ão enquanto bens considerados em si mesmos, e por fim, enquanto bens reciprocamente considerados.

Software: bem jurídico incorpóreo

O programa de computador em sí despreende-se de todo e qualquer meio físico (hardware) que possa lhe servir de suporte. Desta maneira, é possível classifica-lo enquanto linguagem de programação como um bem jurídico incorpóreo, também chamado de imaterial, pois, não possui existência física, mas abstrata. E dessa forma, o software é pela considerado pela doutrina dominante como afeto e tutelado pelo Direito Autoral e não pelo Direito Industrial. Assim o programa de computador como bem jurídico incorpóreo não pode ser passível de compra ou venda, mas de cessão de direitos por força da Lei de Software.

Software: bem móvel por força de lei

O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais, sendo assim, nos termos do artigo 3º da Lei 9.610/98, os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis. Portanto, o software é considerado um bem móvel por força de lei.

Software e sua fungibilidade

A infungibilidade é característica das obras intelectuais em geral. A problemática da fungibilidade do programa de computador, isto é, se o software pode ser substituído por outro de mesma espécie, quantidade e qualidade, não pode ser analisada de forma linear.

A princípio deve-se ter claro que o programa de computador pode ser categorizado em programa executável e programa fonte. O primeiro, é a parte do software que é licenciado o uso para o usuário inteligível pelo computador em linguagem binária (ex.:programas de planilhas, editores de texto, etc.). O segundo, é um programa em linguagem simbólica, ou seja, o programa escrito em linguagem de programação que cria software executável. Só com o programa fonte se pode alterar o software executável, criar uma nova função, uma nova tela ou conexão.

Nesta perspectiva entende-se que o software em sua integralidade (executável e fonte) é um bem jurídico objeto de tutela de direito autoral. A questão é precisar se o software na sua especificidade do programa executável é um bem fungível ou infugível; da mesma forma se o programa fonte é fungível ou infungível.

No primeiro aspecto, o programa executável guarda as características de fungiblidade, não por se tratar de um bem móvel, mas sim pela idéia da possibilidade de substituição de uma coisa por outra, da homogeneidade e da equivalência que lhe é intrínseco. Com efeito, a luz do disposto no artigo 85 do Novo Código Civil Brasileiro, base do conceito de fungibilidade, não há como negar a fungibilidade do programa executável que pode ser substituído infinitas vezes por outro de igual teor e perfeição, sem perda de qualidade.

No segundo aspecto, se o programa fonte é fungível ou infungível. A importância desta distinção não é mero veleidade doutrinal. Antes, representa sensível importância. Isto na medida que, o programa fonte que é concebido em linguagem simbólica está protegido pelo Direito Autoral, possuindo características e requisitos próprios, que o individualiza como obra intelectual única portadora de uma seqüência precisa de algoritmos, os quais criam o programa executável com todas as suas funções previamente estabelecidas pelo programa fonte. Tudo para que o software executável uma vez introduzido num computador realize automaticamente as tarefas especificadas no programa fonte o qual não é substituível. Vale dizer: é impossível a substituição do programa de computador por outro, mesmo que seja da mesma espécie, em face do seu valor único e singular intrínseco a cada programa.

A tecnologia que envolve a criação de desenvolvimento do programa fonte é fruto do intelecto humano não pode ser substituída por outra de igual teor e forma. Desta maneira, um programa de computador desenvolvido para um usuário específico é um bem infungível, muito embora, o programa executável que é a parte do software licenciado ao usuário seja perfeitamente fungível.

Assim, o programa de computador se compõe basicamente de uma parte infungível que é o programa fonte, e uma parte fungível que é o programa executável. A primeira objeto de cessão de direitos autorais, a segunda objeto de cessão de licença de uso.

Software e sua indivisibilidade

A divisibilidade material pressupõe que o bem possa ser partido em proporções reais e distintas, constituindo cada parte um todo perfeito, com a mesma utilidade do todo [2]. A divisibilidade imaterial, também denominada de intelectual é a divisão em forma ideal, no caso de frações ideais de um determinado imóvel. A propriedade intelectual (obras de arte, livros, patentes, marcas, etc.) possuem como característica sua indivisibilidade enquanto bem jurídico, posto que, fracionados perdem a sua qualidade inicial.

A indivisibilidade do software é inequívoca, pois, qualquer alteração na sua substância, ou seja, se fracionado, perde a possibilidade de prestar as mesmas funções que o todo prestava, bem como resulta inexoravelmente numa desvalia econômica.

Software: bem inconsumível / bem ou serviço durável

O software a classificação, de um bem inconsumível [3] porque permite seu uso prolongado sem que desapareça sua substância, constituindo-se, perante o Código de Defesa do Consumidor como um bem ou serviço durável cuja garantia se estende por 90 (noventa) dias [4].

Software bem singular e Sistema bem coletivo

O software admite ainda, a classificação como bem singular [5] considerado em sua individualidade. Disse singular o software porque embora reunido com outros, considera-se de per se, independente dos demais.

Por outro lado, entende-se sistema como sendo um bem coletivo [6], considerando-o como um conjunto de programas de computador que formam um todo, que é um bem coletivo (sistema de software).

Trata-se portanto de perceber o sistema de software como uma pluralidade coisas homogêneas ou heterogêneas, ligadas em conjunto, por vontade do homem, em razão da sua destinação, isto é, de uma relação funcional. O sistema é assim, mais precisamente uma universalidade de fato.

Software: bem principal ou acessório

No que tange a classificação de bens principais e acessórios, o programa de computador se apresenta como um bem principal, vale dizer, que tem existência própria, não dependendo de outro para existir [7]. Com efeito, o programa de computador é o bem principal, sendo considerado como acessório o suporte físico (disquete, fita, CD-ROM).

A importância de considerar o programa de computador como um bem principal em sí, é fundamental para o enfoque tributário do negócio jurídico que envolve a aquisição do software.

Com efeito, o software sendo um bem imaterial não é passível de compra e venda, mas sim, de cessão de direito, portanto, no momento em que se adquirindo um programa de computador, o negócio jurídico que se realiza é a licença do uso de um programa de computador, num meio físico (hardware) que lhe serve de suporte é um bem acessório. Não se pode hipotizar que no licenciamento de um programa de computador se vislumbre a incidência do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, pois inexiste o fato gerador que é a compra e venda de um software.

De igual forma, não se pode admitir que o disquete suporte físico do software licenciado possa ser tributado pelo ICMS, posto que, neste caso, o hardware é acessório, o bem principal em questão é o software licenciado. Assim, em se tratando de licenciamento de software o disquete (hardware) é bem acessório, não podendo ser tributado pelo ICMS, por não se tratar de compra e venda de hardware.

Quer-se com isso significar que: o software bem imaterial tem existência própria e se despreende de todo e qualquer meio físico que lhe dê suporte, ensejando que o tratamento jurídico lhe seja específico, bem como distinto aos aplicáveis às coisas corpóreas (hardware).

Ademais o desenvolvimento tecnológico atual demonstra que é perfeitamente possível a criação de programas de computadores cujo processamento ainda dependem de equipamentos mais potentes (computadores quânticos ainda não existentes) para que sejam executadas as funções.

Delinear programa de computador como uma criação passível de tutela jurídica e conceituá-lo como objeto de propriedade intelectual, significa entende-lo enquanto atividade meio, e que envolto na sociedade da informação adquire múltiplos contornos e formas de comercialização, ora requerendo proteção pelas esferas do direito civil e do direito penal [8], ora pelo direito internacional.

A EVOLUÇÃO INTERNACIONAL DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO SOFTWARE NO PLANO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL.

A proteção jurídica dos programas de computador começou a ficar delineada pela Convenção de Concessão de Patentes Européias, na Convenção de Munique em 1973, tendo aí consagrado a impossibilidade de atribuição de patentes a programas de computador.

Os demais países europeus paulatinamente adotaram em suas legislações internas tal orientação. A Alemanha e a França em 1985 regulamentaram o software como tutelado pelo Direito Autoral.

No Brasil na década de 80 elaborou-se pesquisas sobre a possibilidade de patente do programa de computador. Contudo, a SEI – Secretaria Especial de Informática, detectou que dos 99% dos programas de computador existentes no mundo não seriam patenteáveis, por lhes faltarem o requisito de 100% de originalidade. Assim, apenas 1% poderiam ser objeto de patente [9]. De tal sorte, perfilaria o Brasil no rol dos países que admitem a tutela do Direito Autoral para proteção do software com a introdução no ordenamento jurídico da Lei nº 7.646/87.

Na Diretiva do Conselho nº 91/250/CEE, de 14 maio de 1991 à expressão programa de computador, inclui também o material de concepção (artigo 1º, in fine). Assim, a que se ter claro que o programa de computador não está preso a um meio físico determinado, guardando a sua identidade para além das corporificações várias que pode revestir. O software situando-se entre as “coisas incorpóreas”, na categoria dos “bens intelectuais”, é consequentemente susceptível à tutela de direito autoral.

Todo o direito autoral representa a proteção na realidade jurídica da evolução dos meios técnicos. Com a invenção da imprensa surgiu a possibilidade de fácil multiplicação de exemplares de uma obra, e só então se colocou o problema de uma tutela jurídica do criador intelectual [10].

No caso da informática o programa de computador está protegido, posto que é obra intelectual, obra literária, mas sua ideia-base não, poderá ela inspirar outros programas a desenvolverem os seus próprios programas. (Assim como o arquiteto descobre uma solução arquitetônica revolucionária, a obra que realizou está protegida pelo direito autoral, mas a solução se tornou patrimônio comum).

O programa de computador se inclui entre as obras intelectuais de expressão lingüistica, na medida que todo o software exige, antes de mais nada uma anotação, que constitui na linguagem de computação, que permitirá um procedimento, do qual se obterão resultados. O programa de computador é por natureza um esquema para ação.

A nível global a proteção dos programas de computador teve lugar com a conclusão do Uruguai Round, no âmbito do GATT, em 1994, e deu origem ao denominado TRIP’s Agreemente (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) [11].

O acordo TRIP’s instituiu uma estrutura jurídica objetivando uma ampla proteção da propriedade intelectual. Luiz Otávio PIMENTEL [12] analisando-a, aponta com grande acuidade quatro características principais: a globalidade externa por estar vinculada de forma integral à OMC; a globalidade interna ao proibir a inaplicação de qualquer de suas normas, no que se diferencia das outras convenções em matéria de propriedade intelectual; o hibridismo de normas substantivas e procedimentais ao tratar dos direitos intelecutais; e, por fim, o baixo nível jurídico do acordo que carece de rigor na formulação de conceitos técnico-jurídico.

No tocante ao software o acordo TRIP’s assegura aos programas de computador pelo prazo de 50 anos a proteção como trabalhos literários sob a convenção e os esboços de Berne como as bases de dados devem ser protegidas. Expande também regras internacionais dos direitos autorais para cobrir o direito de aluguel. Aos autores de programas de computador é assegurado o direito de proibir o aluguel comercial de seus trabalhos em público.

Como decorrência direta dos resultados da Rodada do Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, no Brasil foi aprovado o Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, incorporando à legislação brasileira o acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio.

Na Argentina por meio do Decreto 165/94, foi incorporada a legislação de Propriedade Intelectual disposições específicas sobre o software e base de dados, caracterizando o software como bem intelectual de forma ampla, vale dizer: propriedade imaterial do software abrange além do programa de computador sí, para os efeitos de proteção da lei se estende aos desenhos, gerais ou detalhados do fluxo lógico dos dados de um sistema de computador, englobam tanto o sistema fonte e o sistema objeto, bem como toda a documentação técnica com a finalidade de exploração, suporte e treinamento para o desenvolvimento, uso e manutenção do software.

Em Genebra no ano de 1996, na Organização Mundial de Propriedade Intelectual – OMPI, concluí-se o Tratado de Direito do Autor, confirmando toda a tendência generalizada de proteção do software no plano do direito autoral. A OMPI. fixou o conceito de software em três categorias, a saber :

Programa de computador: É o conjunto de instruções capaz, quando incorporado num veículo legível pela maquina de fazer com que uma máquina, disponha de capacidade para processar informações, indique, desempenhe ou execute uma particular função, tarefa ou resultado.

Descrição de Programa: É uma apresentação completa de um processo, expressa por palavras, esquema ou de outro modo, suficientemente pormenorizada para determinar o conjunto de instruções que constitui o programa do computador correspondente.

Material de apoio: É qualquer material, para além do programa de computador e da descrição do programa, preparado para ajudar a compreensão ou a aplicação de um programa de computador, como por exemplo as descrições de programas e as instruções para usuários.

A obra literária ou artística (livros ou quadros) são obras intelectuais finais. Nesse ponto difere o programa de computador que é uma obra intelectual para ação, que não visa uma obra intelectual final (literária ou artística).

O direito autoral protegerá o programa de computador por ter expressão mediante notação (linguagem) e não os seus resultados que possam produzir. Ex.: se um programa de computador é idealizador para fazer composições musicais aleatórias, a música produzida através de combinações feitas pelo computador não terá proteção do direito autoral.

Porém, o programa de computador estará protegido perante terceiros que por ventura realizarem transposição ou conversão de linguagem (Java, Pascal, C, Fortran, etc…).

A transposição do programa assemelha-se à tradução de um livro (Italiano, Francês, Inglês). A transposição tal qual a tradução é uma versão da obra de uma linguagem para outra, o que é vedado pelo Direito Autoral.

No estudo de Direito Comparado Internacional para a proteção do autor, importante também é diferenciar a visão anglo-americana (copyright), do sistema continental europeu (Direito Autoral). Nos EUA, de acordo com a emenda de 1984, o “Copyright Act” o titular de um direito autoral válido tem o direito exclusivo de cópia do trabalho registrado. O escopo da Emenda foi proteger não só a cópia literal como também as cópias do que é substancialmente semelhante ao trabalho protegido.

A Lei de copyright [13] é centrada na tutela da obra criada, e assim, visa a coibição da reprodução do software. Já o sistema europeu de proteção assente na tutela do criador da obra. No mesmo sentido, José de Oliveira ASCENSÃO [14], assevera que, porque centrado na tutela do exemplar, o sistema anglo-saxão admite que o direito de autor seja atribuído à empresa, acolhendo o copyright a noção de obra coletiva. A admissibilidade da noção de obra coletiva é acolhida pelos países latinos, mas não o é nos países germânicos. Tais especificidade não acarretam grandes diferenças no estudo de direito comparado, porém, pode se constitui obstáculos em cláusulas contratuais, de desenvolvimento de sistemas ou de transferência de tecnologia.

A Lei Brasileira nº 9.609/98, neste mesmo sentido ao definir software, enfatizou a noção de conjunto organizado de instruções em linguagem própria distinto de seu corpo material em seu artigo 1º “in verbis”:

“Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.”

Assim, entabuladas as definições jurídicas de software em níveis internacional e nacionais, é necessário uma percepção dos elementos que integram a noção jurídica do programa de computador, para compreendê-lo enquanto um bem jurídico que será objeto de direito nas relações jurídicas que se estabelecem na sociedade da informação em decorrência da sua disponibilização pela INTERNET [15].

A DISPONIBILIZAÇÃO DO SOFTWARE PELA INTERNET

A velocidade de difusão do conhecimento na Sociedade da Informação tem como corolário a disponibilização de obras pela INTERNET, a digitalização implicou em novos contornos para os bens intelectuais, como também provocou o aparecimento de novos bens, que ganharam rapidamente relevo jurídico (dos programas de computador às bases de dados eletrônicas, dos produtos de multimídia aos circuitos integrados). Com a mesma velocidade de inserção da INTERNET na sociedade o programa de computador começou a ser comercializado e distribuído pela rede.

As fronteiras e barreiras alfandegárias construídas para os produtos corpóreos , não possuem a mesma eficiência, particularmente no que tange a distribuição de um bem imaterial como o software, que negociado pela INTERNET demonstra cabalmente estarem os instrumentos de controle ultrapassados. Isto porque inexiste de forma eficaz de controle de emissão de cópia dos programas de computador distribuídos na rede.

A disponibilização de um programa de computador via INTERNET pode se operacionalizar através de homepage do titular do titular dos direitos autorais do software. Os mecanismos comandos de download por mais fiscalizados que sejam, possuem limites para verificar, e dificuldades técnicas de coibir a livre utilização por terceiros, que sem prévio conhecimento do titular podem duplicar ilegalmente os programas de computador [16].

A proteção da propriedade intelectual na distribuição de software pela INTERNET deve ser mensurada pela empresa produtora, não só observando aspectos técnicos de segurança, mas também, e em primeiro lugar, entabular métodos de proteção considerando os diferentes aspectos do softwares, cada um dos quais portador de valor econômico-jurídico que requer proteção específica.

Face as questões supra mencionadas deve o titular dos direitos autorais ter conhecimento pleno dos riscos de pirataria. Ademais no que pertine ao contrato de licença de uso do programa de computador, devem ser mantidas as regras estruturais estabelecidas pelo TRIP’s, bem como, na elaboração das cláusulas e condições do licenciamento observar e adequar as mesmas às legislações internas do país onde o software está sendo licenciado. Assim, torna-se imprescindível, como exigência de eficácia dos dispositivos contratuais, uma precisão terminológica nos contratos celebardos entre particulares, para suprir a falta de rigor, até de impropriedade da linguagem do acordo TRIP’s e das lacunas do Direito Interno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proteção da propriedade intelectual do software não pode ser vista de forma isolada, dissociada da revolução tecnológica da sociedade da informação, ou ainda, de forma simplista reduzi-lo a mero instrumento separado da tecnologia que o criou e que irá utilizá-lo.

A Revolução Tecnológica pressupõe a existência de grandes vias de comunicação de dados e informações, das quais o software é parte indissociável, tanto como bem intelectual em sí, como meio para que bens intelectuais sejam digitalizados e disponibilizados na imensa rede que é a INTERNET.

A construção jurídica empreendida no Direito Internacional capitaneada pela OMC e OMPI, pela própria amplitude e abrangência dos direitos intelectuais que engloba o acordo TRIP’s não percebe as especificidades intrínsecas do software, que o diferencia dos demais bens intelectuais protegidos pelo Direito Autoral ou pelo Direito Industrial. De tal sorte, vislumbrando-o como uma parte isolada, o define sem considerar o todo em que está envolto.

As normas de Direito Interno perfilam em sua maioria em dar proteção ao software pelo Direito Autoral da Europa continental ou pelo “Copyright Act” anglo-americano. Conduto sem que haja maiores inovações percebem-no como uma parte isolada do fenômeno complexo da Revolução Tecnológica, ou complementar da INTERNET, ou ainda, secundária das novas ferramentas tecnológicas. CAPRA aponta o equivoco do antigo pensamento epistemológico Cartesiano no qual o paradigma mecanicista, reducionista ou atomísta, gerou o método do pensamento analítico, que consistia em quebrar fenômenos complexos em pedaços a fim de compreender o comportamento do todo a partir das propriedades das suas partes [17].

A conclusão deste artigo, não se fecha em si mesma, mas almeja-se que a leitura deste possibilite perceber esta nova realidade da Sociedade da Informação, no desiderato de contribuir para a elaboração de normas adequadas a esta nova Sociedade da Informação, bem como da revisão de normas antigas que se mostrem inadequadas à nova realidade.

Notas de rodapé:

[1] PAESANI, Liliana Minardi. Direito de Informática. 2ª ed. São Paulo : Atlas, 1999, p. 25

[2] Cf.: Código Civil. Art. 87 “Bens divisíveis são os que podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam.”

[3] Cf.: Código Civil. Art. 86 “São consumíveis os bens móveis, cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.”

[4] Art. 26 O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I – 30 (trinta) dias, tratando-se de fornecimento de serviços e produtos não duráveis; II – 90 (noventa) dias, tratando-se de fornecimento de serviços e de produto duráveis.

Parágrafo 1º Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços. Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90

[5] Cf.: Código Civil. Art. 89 “São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentes dos demais.”

[6] Cf.: Código Civil. Art. 90 Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária.

[7] Acessórios são os bens que dependem de outro para existir, que estão em relação de dependência com a coisa principal. Assim como a casa e a arvore são bens acessórios em relação ao solo, a teor do artigo 92 do Código Civil.

[8] ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997 “No plano do Direito objetivo, vemos assim desenvolver ao lado de uma vastíssima Informática Jurídica, um Direito da Informática. O direito da Informática atinge numerosíssimos setores. Em variadas matérias traz também proteção penal. Mas só está implicado com o Direito autoral um setor limitado do direito da Informática.”

[9] Conforme Secretaria Especial de Informática. Relatório da Comissão Especial de Automação de Escritórios. Rio de Janeiro/ 1986, p 74, in verbis : “Estima-se que somente 1% de todo o software existente no mundo pode ser considerado como original e inovativo para ser caracterizado como patente.”

[10] Neste sentido: WACHOWICZ, Marcos. Regime jurídico do software no Brasil. Revista Jurídica da Faculdade de Direito de Curitiba. Ano XVI, nº 14, 2001.

[11] O Acordo TRIP’s em seu artigo 10 dispõe: “Programa de computador e compilações de dados 1 – programas de computador, em Código Fonte ou objeto, serão protegidos como obras literárias segundo a convenção de Berna (1971) 2 – As copilações de dados ou de outro material, legíveis por máquina ou em outra forma, que em função da seleção ou da disposição de seu conteúdo constituam criações intelectuais, deverão ser protegidas como tal. Essa proteção não se estenderá aos dados ou ao material em si, se dará sem prejuízo de qualquer direito autoral subsistente nesses dados ou material.”

[12] PIMENTEL, Luiz Otávio. Propriedade Intelectual. In: BARRAL, Welber. (org.) O Brasil e a OMC. Editora Diploma Legal: Florianópolis, 2000, p. 71-71

[13] O copyright act também transfere o direito aos trabalhos derivados. Trabalhos derivados são aqueles baseados em trabalho registrado preexistente, por exemplo uma tradução, arranjo musical ou qualquer outra forma nas quais um trabalho original pode ser reformado, transformado ou adaptado. Também são concedidas as propriedades de direito autoral para trabalhos de compilação. Uma compilação é um trabalho formado pela coleção de várias obras ou de dados que são selecionados, coordenados, ou organizados de tal modo que o trabalho resultante constitui trabalho original de autoria como um todo.

[14] ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 5

[15] WACHOWICZ, Marcos. Direito Internacional Privado – Negócios Internacionais, Contratos e Tecnologia. Curitiba : Juruá, 2001, p. 243: “A nova Sociedade da Informação possui como caracteristica intrínseca potencialidades de difusão de obras intelectuais. Associação das auto-estradas da informação, enquanto infra-estrutura do ciberespaço, permite a existência de uma imensa rede (Internet) que interliga elevado número de computadores em todo o planeta, disponibilizando uma base de informação colossal, que a cada dia se amplia numa velocidade surpreendente.”

[16] Neste sentido PILATI, quando assevera “Com o advento e a popularização cada vez maior da Internet, cresce de importância a dimensão internacional da tutela desses direitos; mas os grandes interesses econômicos parecem não reunir, eticamente força suficiente para censurara auto-estrada da comunicação, e conformá-la, em seu benefício. Na verdade, a Internet está decretando a dessuetude da legislação vigente, de Direitos Autorais; as demandas judiciais, especialmente aquelas travadas nos Estados Unidos, deverão indicar novos caminhos a tomas.” PILATI, Issac. Direitos Autorais e Internet. In: ROVER, Aires José (org.). Direito, Sociedade e Informática. Limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000, p. 134

[17] CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 2000, p. 40

*Marcos Wachowicz é doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, mestre em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa – Portugal, professor universitário em Curitiba e coordenador da obra “Propriedade Intelectual & Internet”, Ed. Juruá, 2002

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